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Brás Garcia
Brás Garcia 

 

Garcia de Mascarenhas (Brás).

 

n.     10 de agosto de 1595.
f.       8 de agosto de 1656

 

Guerreiro e poeta; autor do célebre poema heróico Viriato Trágico.

Nasceu em Avô vila próximo da serra da Estrela, em 10 de fevereiro de 1595, onde também faleceu a 8 de agosto de 1656. Era filho de Marcos Garcia de Mascarenhas e de Helena Madeira, família nobre e abastada, que tinha o seu solar na referida vila de Avô.

Braz Garcia Mascarenhas, mais conhecido pelo poeta Braz Garcia, foi capitão de infantaria, governador da praça de Alfaiates nas guerras da Aclamação em 1640, e cavaleiro professo da Ordem de S. Bento de Avis. Na Universidade de Coimbra, onde seus três irmãos mais velhos se formaram, cursou Direito Canónico, mas não completou o curso, porque em 1620, em virtude de conflitos políticos que então eram frequentes, e em que se viu envolvido, teve de emigrar para Espanha. 

O sr. visconde de Sanches de Frias, no seu estudo sobre este poeta, diz o seguinte acerca dessa emigração. «Braz, génio fogoso e cavalheiresco, na frequência dos estudos, que fora cursar a Coimbra, sentiu-se inclinado para as armas, em que procurou instruir-se profundamente, apesar das tropelias, arruaças e folganças, em que se distinguia entre os académicos mais audaciosos e gracejadores. Era seu condiscípulo e amigo intimo Diogo César de Meneses, mancebo lisboeta e nobre, filho do general de artilharia e alcaide-mor de Alenquer, Vasco Fernandes César e de D. Ana de Meneses, da descendência dos condes da Feira, e dos senhores de Cantanhede. Generoso e valente, destemido e brigão, à moda da época, pode dizer-se, sabendo que o seu amigo Diogo fora atraiçoado por outro estudante igualmente nobre, lisboeta e pertencente á casa dos condes de Santa Cruz, D. António de Mascarenhas, que lhe conquistara a namorada, Braz tomou esses agravos como seus, insultou a dama e despicou completamente o amigo, batendo-se em duelo com D. António, a quem feriu gravemente. Aconteceu isto num solene dia de festa. Preso em flagrante, não sem espadeirar a ronda, do que resultou a decepação de dois dedos a um dos soldados, foi conduzido à cadeia da Portagem, donde por estratégia e à força o livraram o amigo desagravado e seus irmãos, que a esse tempo frequentavam a Universidade. Braz Garcia, no seu poema, dá-nos ele próprio, claríssimas noções dessas passagens da sua vida. Açulada pela parentela e criados de D. António de Mascarenhas e mais gente, que acorrera à Portagem no momento da fuga, e, ao que parecia, ainda experimentara as espadeiradas dos amigos e parentes do poeta, uma determinada multidão perseguiu até além da ponte. A certa distancia, porém, estava postada uma cavalgadura, que rapidamente montada pelo fugitivo, o transportou, velozmente, para longe da vista dos perseguidores, que retrocederam tão raivosos como desanimados. Constituindo o delito e a fuga crime grave, Braz Garcia saiu do reino, não sem brigar na fronteira com dois salteadores, um dos quais matou, e dirigiu-se a Madrid, capital da península, á espera que se apaziguasse o litígio, ardentemente sustentado nos tribunais pelos seus inimigos, capitaneados por D. João de Mascarenhas, pai de D. António.» 

Braz Garcia Mascarenhas andou sempre em guerras; saiu de Espanha, foi atacado pelos turcos o navio que o conduzia; houve renhida luta, em que ele muito se evidenciou, afinal vendo-se livre daquele perigo iminente, pôde prosseguir viagem, e percorreu a França, Itália e Flandres, indo por fim ao Brasil; nestas viagens sofreu calmarias, ataques de corsários, e outras aventuras, até que pôde chegar à Baía. Continuando a percorrer as costas brasileiras, sofreu um violento naufrágio, de que se salvou milagrosamente com outros companheiros. Aportou depois a Pernambuco, quando os holandeses assaltavam as nossas colónias da América. Braz Garcia tomou parte muito activa na guerra, e praticou tais feitos heróicos e de intrepidez, que alcançou o posto de alferes.

Sabendo que rebentara em Lisboa a revolução de 1 de dezembro de 1640, saiu imediatamente do Brasil, vindo apresentar-se ao serviço da pátria e do novo monarca D. João IV, como militar experiente e intrépido. Braz Garcia agrupou em torno de si uma hoste guerreira que o nomeou seu capitão, a se denominou a Companhia dos leões da Beira, organizou-se assim um valente regimento de cavalaria, que partindo da vila de Avô e dos lugares vizinhos, foi ocupar a praça de Pinhel, fazendo temerárias escaramuças de intrépida coragem contra os castelhanos. O nome de Braz Garcia de Mascarenhas tornou-se glorioso em toda a província da Beira, e em Castela era um dos caudilhos mais temíveis. Por esse motivo D. João IV lhe fez mercê do cargo de governador da praça de Alfaiates, que o herói beirão remodelou de novas fortificações, retemperando de quando em quando a sua espada no sangue castelhano, indo Espanha dentro com os seus companheiros em escaramuças contra os inimigos. Como os espanhóis passassem a fronteira saqueando e incendiando povoações, D. Sancho Manuel, general das armas da província da Beira, oficiou a Braz Garcia, intimando-o a não sair da praça, ao mesmo tempo que o ilustre caudilho recebia ordens do governador Teles de Meneses para que saísse, e fizesse, uma das suas costumadas proezas, cortando o passo aos inimigos. Em vista destas ordens desencontradas, teve um momento de hesitação mas o seu ânimo brioso e a sua coragem lhe fizeram optar pelo que julgava mais urgente e patriótico. Deixando a praça convenientemente guarnecida e acautelada contra qualquer surpresa de ataque, foi com duzentos mosqueteiros, em que entravam os bravos da Companhia dos leões da Beira, e foi emboscar-se em dois sítios estratégicos, junto do rio Águeda, dois montes que guarneciam um vale por onde as tropas espanholas deviam forçosamente passar. As tropas, trazendo à frente gados e despojos, enchendo o vale, sentiram-se mortiferamente ladeados por numerosas cargas de mosqueteria, que lhes choviam do alto, e julgando que tinham de haver-se com um importante troço do exército português, enfraqueceram, e entraram em debandada, abandonando o campo, deixando todos os valores roubados e grande número de mortos. Braz Garcia mais uma vez dera provas da sua perícia militar, voltando triunfante à vila de Alfaiates. 

O general D. Sancho Manuel repreendeu-o severa e publicamente, mas Braz Garcia defendeu-se com denodo e coragem, apresentando a ordem de Fernão Teles de Meneses. D. Sancho Manuel não o atendeu, mandou-o prender, apelidando-o de criminoso de alta traição. E Braz de Mascarenhas foi encerrado no castelo de Sabugal, acusado de traidor ao seu rei. Este facto histórico passou-se em 1641, quando na praça do Rossio de Lisboa eram mortos como traidores á pátria o marquês de Vila Real, o duque de Caminha, o conde de Armamar e outros fidalgos; era esta a sorte que esperava Braz Garcia de Mascarenhas, apelidado traidor, ele que era o terror dos castelhanos! Quis a sorte que na corte houvesse um amigo do desditoso guerreiro, que enviou a Sabugal um soldado saber do acusado de traidor! Este, como visse entre as sentinelas um afeiçoado, que a ocultas lhe fazia sinais mostrando-lhe um papel, depressa lhe aceitou a salvação. O preso mandou pedir ao governador do castelo linhas, tesoura e agulhas para remendar o fato andrajoso. O governador consentiu, condoído da sorte do camarada. À meia-noite recebia Braz Garcia com a tesoura, as linhas e as agulhas, uma carta do amigo que tinha na corte, na qual o aconselhava que escrevesse a D. João IV pedindo-lhe perdão e contando-lhe a sua inocência. Braz Garcia, porém, não tinha papel nem tinta. Teve então uma ideia salvadora. Mandou pedir ao governador um livro que lhe servisse de recreio e consolação, e uma pouca de farinha de trigo para um remédio. O livro foi o Flos-Santorum, donde o poeta recortou com a tesoura as letras que lhe iam servindo para a sua carta a el-rei, pedindo justiça. Esta carta era escrita em verso, e relatava todos os episódios do seu infortúnio, as aleivosias de que fora vítima, a sua situação e inocência. A carta toda composta das letras coladas em papel branco, passou das mãos da sentinela às do amigo dedicado, e deste às mãos do rei, que surpreendido pela narrativa do seu fiel servidor, e não menos pela engenhosa ideia com que conseguira fazer-lhe chegar a carta ao seu poder, ordenou ao secretário de estado, Francisco de Lucena, que lhe mandasse sem demora apresentar o prisioneiro do castelo de Sabugal. Sendo então conduzido a Lisboa entre uma escolta, Braz Garcia apareceu na presença do monarca, apresentado pelo seu antigo companheiro e amigo, D. Sebastião César de Menezes. O rei declarou-o ilibado, sem mancha, condecorou-o com o hábito de Avis, deu-lhe uma tença, restituiu-o ao governo da praça de Alfaiates, e nomeou-o inspector da cavalaria da comarca de Esgueira.

Acerca da biografia de Braz Garcia de Mascarenhas, pode ver-se o estudo do sr. visconde de Sanches de Frias, a que já nos referimos, intitulado O poeta Garcia; o ensaio biográfico crítico sobre os melhores poetas portugueses, tomo VII, e a Luta de Gigantes, de Camilo Castelo Branco. Braz Garcia retirou-se depois à vida privada. Casou em 19 de fevereiro de 1645, em Avô, com D. Maria Fonseca da Costa, filha de João Manuel da Fonseca, capitão-mor, e de D. Maria Madeira da Costa. 

O poema Viriato Trágico foi impresso em Coimbra, já depois da morte do poeta, em 1699, e saiu em nova edição, em 2 tomos, Lisboa, 1846. Tem por título: Viriato Trágico em Poema heróico. Obra póstuma, oferecida ao Sereníssimo Príncipe D. João, por Bento Madeira de Castro, cavaleiro professo na ordem de Cristo. Diz Inocêncio, a pág. 395 do vol. I do Dicionário Bibliográfico, referindo se ao poema: «No sentir de bons críticos merece ser considerado como a nossa primeira epopeia de segunda ordem, e torna-se notável pela boa escolha do assunto, e dos episódios, pela abundância de comparações, tão originais como engenhosas, e por suas descrições verdadeiramente pitorescas. É dos nossos poemas aquele em que a parte militar aparece tratada magistralmente, para o que muito concorreu sem dúvida a profissão do autor. Quanto ao estilo, posto que seguisse as doutrinas adoptadas na escola castelhana, e tenha na realidade, alguns conceitos alambicados, e certos trocadilhos próprios do gosto da época, está longe de cair nos desvarios em que se despenharam tantos seus contemporâneos.»

 

 

 

Brás Garcia de Mascarenhas
Projecto Vercial

 

 

 

 

 

 

Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume III, pág
s. 697-699.

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